quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Verdes sonhos


Se Sebastião soubesse o estardalhaço que faz quando aperta aquele botão próximo ao portão, talvez deixe de fazê-lo toda vez que chega para trabalhar. Talvez espere, com humilde paciência, calado em sua timidez, um momento em que alguém, passando por lá, note sua presença. Coisa que pode durar minutos ou horas, não importa. Afinal, se do seu ofício de jardineiro aprendeu a conversar com as plantas, da vida aprendeu a esperar. Como uma gestante, grávida de esperança. 
Passado o portão, lentamente desce os degraus do jardim, olha para os canteiros, sorri pra dentro e estaciona suas ferramentas. Sempre em silêncio. Iniciando por onde iniciar, todo o verde passará por seus cuidados. A grama esmeralda, as orquídeas-bambu, a ameixeira, a laranjeira. Os agapantos, as moréias, o jasmim, a goiabeira. Todas sabem que, em algum momento do dia, toda sexta-feira, aquelas mãos ásperas e calejadas estarão por perto, acariciando, limpando, dando atenção. Elas agradecem, crescem, e retribuem essa dedicação com lindas flores. "Obrigado, meninas", ele sussurra, num volume que só as plantas podem escutar.
Com a chegada do inverno Sebastião passou a falhar. Num dia, falta. No outro, vai mais cedo. "Problema na coluna". É uma vida abaixando e levantando, subindo e descendo escadas, domando roçadeiras. Sem preparo, sem proteção, sem orientação. E eis que, num golpe de azar, o destino implacável bate à porta, exigindo que ele pare antes da hora planejada. Ele bem que luta, mas a dor não deixa. E então outra dor rouba a cena. A da alma, que seca como as folhas do outono. Está impotente, deitado em sua dura cama, e só poderá ver o verde em seus sonhos. Pois da sua janela só se enxerga a aridez da vida. Inevitavelmente, as lágrimas escorrem. As plantas murcham. Sebastião está triste. E eu também.

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