domingo, 22 de março de 2009

Benedita


Benedita levanta antes do sol e se despede de suas filhas em silêncio. As próximas três horas de seu dia, dedicadas exclusivamente ao deslocamento de casa para seu trabalho, entrando e saindo de transportes coletivos, não a desanimam. Ela segue feliz. De dentro do trem observa a aridez passando rapidamente pela janela, enquanto mulheres tagarelam descontraídas sobre maridos, patrões e filhos. E Benedita, sem mexer a boca - somente o corpo, que trepida com a irregularidade dos trilhos - , conversa com Deus. A "Ele" agradece pelas coisas boas de sua vida. Mas faz alguns pedidos também. Que suas filhas permaneçam longe do mal, que ela possa estar em dia com suas dívidas, que seu emprego não corra perigo, que seus sonhos estejam ao seu alcance.
Com uma humilde sabedoria, talvez até desconhecida por ela mesma, cada dia que nasce é celebrado. As conquistas dos outros - amigos, colegas e patrões - são também motivo de alegria. Não que isso seja fácil, pelo contrário, mas ela se esforça em afastar qualquer mal sentimento, qualquer rancor, firme em sua fé no bem, com a certeza de que bons atos geram bons frutos sempre. 
E assim Benedita lava, passa, limpa, cozinha, esfrega e se cansa todos os dias. Zela com carinho por um lar que não é seu, e que está recheado de coisas que talvez ela nunca terá (ou que exigirão muito sacrifício para ter). Mas o seu desapego nessas horas é admirável, raro. Seu coração também. Ela é amiga, discreta, carinhosa e prestativa. Sublima seus problemas e não deixa o mau humor contaminá-la. Está pronta para ouvir e intervir, quando preciso. E quem fica perto dela sente o bem no ar. 
Tenho a sorte de ter a Benedita me ajudando a organizar a vida. Conto com ela e ela comigo. Quero vê-la crescendo sempre, mesmo que isso signifique não mais ter a sua mão. Vivemos uma relação que talvez extrapole os limites do usual "patrão-empregado", mas isso foi sempre assim, desde o começo de nossa história. Encontrei Benedita na rua, perguntando para os pedestres quem conhecia alguém precisando de uma doméstica. Confiei em seu olhar, contrariei as opiniões, segui minha intuição. E hoje dou graças a Deus por isso. Bendita seja, Benedita!

Um comentário:

pedromarianoavoz disse...

Nossa me emocionei com seu relato, que história linda. A emoção talvez maior ainda, seja por ter acabado de desligar o telefone e ouvir de uma amiga que é babá, que sua patroa disse a uma outra funcionária que não gosta do jeito que minha amiga trata o filho dela, o carinho que ela tem para o menino, que segundo minha amiga é um menino doce, que não tem como vc não retribuir o olhar e os gestos de carinho dele. Ela disse que foi avisada por parentes da patroa que ela tem muito ciúmes do filho, e nunca disse a ela exatamente como queria que ela tratasse, minha amiga diz que esse garoto, é com quem ela menos demonstra afeto, mas mesmo assim, não tá dando. É triste, ver que tem gente que não sabe aproveitar o que Deus coloca em seu caminho

bjs e Desculpe o meu desabafo