Chegamos em casa e avistamos uma pequena libélula enfeitando a parede ao lado da porta do quarto das crianças. Com suas asas transparentes, parecia ouvir os gritos eufóricos de boas vindas dos pequenos, pois subitamente começou a voar acima de nossas cabeças. Virou amiga da família, nossa nova hóspede, e passou a se chamar Rebeca. A todo momento, no entra e sai de nossa rotina, Olivia e Leo saudavam Rebeca com um "oi" feliz. Até eu entrei nessa brincadeira, e desconfiei que ela pudesse estar realmente feliz com a gente por perto. E, na dúvida, engrossei o coro de "boa noite, Rebeca, até amanhã", logo antes de dormir.
Os passarinhos acordaram as crianças no dia seguinte, que me acordaram aos gritos, com a Rebeca nas mãos. "Mãe, ela estava no chão, o que será que aconteceu?", perguntava Olivia. "Ela tá dodói", repetia o Leo. Sem se mexer, a libélula estava claramente morta. Eu, quieta, numa mistura de sono, receio e curiosidade, aguardei as reações dos dois, que mobilizaram a casa toda naquela manhã. Aconchegaram Rebeca num potinho, juntamente com umas folhas pra ela comer e uns pingos de água pra beber. Incorporaram dois médicos a tratar de uma paciente no hospital, na tentativa de salvá-la. E, ao constatarem a morte da pequena amiga, mudaram o rumo de meu dia.
Sentada no sofá, com Rebeca nas mãos, Olivia explodiu num choro. Choro sentido, com litros de lágrimas caindo, lamentando a perda (Leo, por ser mais novo, elaborou de uma maneira diferente e, no minuto seguinte, brincava com seus carrinhos pelo chão). Ela havia percebido a irreversibilidade da morte. Dizia, soluçando, que não queria que ninguém no mundo morresse. Tentei acalmá-la, dizendo que isso faz parte da vida de todos nós, mas fui tomada por uma angústia dilacerante. E então percebi o meu despreparo em lidar com a questão da morte.
Creio não estar sozinha, afinal, o modelo de nossa sociedade não abre espaço para pensarmos na possibilidade do fim da existência. Mesmo sendo este fim a única grande certeza da vida. Obter o prazer é o que mais nos motiva, e isso parece não dialogar com a obscuridade da morte. Mas, se isso suscita questionamentos infantis, deles não temos como desviar. Buscar o que nos conforta, dizer a verdade sem eufemismos e adequar o nosso discurso de acordo com os níveis de compreensão sobre a morte para cada faixa etária já é um bom começo. Pois talvez as grandes perguntas serão somente respondidas quando vivenciarmos nosso próprio fim. Enquanto isso, vamos vivendo para aprender! E viva a Rebeca!
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