quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Novo ano, novos ventos


Quero desejar a todos vocês, amigos e leitores, um novo ano cheio de luz, harmonia e alegria de criança!!! Que os bons ventos soprem, fazendo os sinos tocarem novas e lindas melodias, ressoando pro mundo o melhor de cada um.
Pro último post do ano, trouxe um texto lindo que minha sogra, Regina - escritora de mão cheia, escreveu e que se encaixa perfeitamente nesta renovação de esperança que um novo ano traz. E na ilustração, escolhi a dedo um simbólico desenho da Olivia, em que ela se desenhou ao lado do irmão (os dois adultos, segundo ela, pois a pequena carrega uma bolsa, rsrs), com a mamãe e o papai ao lado, cada um dentro de um sol, e acima de todos nós, os sinos balançam...uau. Até ano que vem!

Francisca e o sino quase japonês

Era um sino pequeno e meio atrapalhado. Quando você tentava pendurá-lo, se emaranhava todo, tabém, tabém, pessoas nu Basil num tem muita paciença nom, pensava o sininho quase japonês enfiado num canto de uma loja no bairro da Liberdade. Até que era bonitinho, esse sino; cor de rosa que é a cor do amor perene, dizem, aquele amor que deixa a vida respirar. E, nos seus cordões, flores miúdas subiam até seu topo coberto de fitas azuis e rosas. Alguns comentaram que não era de muito bom gosto, até meio cafona, e assim o senhor Li houve por bem escondê-lo, que não estava ali para ouvir comentários desairosos sobre seus sinos, tinha mais o que fazer, sino era sino, nem tinha tanta serventia assim, como a tigela de arroz da sobrevivência. Mas aí, Francisca, que era uma menina pequena, foi com sua mãe passear no bairro da Liberdade e se encantou com os biscoitos da sorte, as bonecas japonesas com seus pés tão pequenos, as lanternas meio mágicas, pessoas que passavam sorrindo. E, ao entrarem na loja do senhor Li, ela escarafunchou, escarafunchou, acabou achando e se maravilhando com o tal sininho enfiado num canto; tanto pediu, que sua mãe resolveu comprá-lo. Dito sininho foi colocado num outro canto do jardim, era sina do sino (meio esquisita essa concordância) ficar sempre num canto de algum lugar, mas a vida junta coisas esquisitas sem perguntar, sina e o sino acima, por exemplo; sua mãe achou impróprio que ele ficasse em outro local mais à mostra, muito breguinha esse sininho, Francisca, nem parece sino de japonês e eis que o sino não entendeu muito bem o que era bega, mas ficou bem contentinho naquele canto que lhe arranjaram. E, na manhã seguinte, uma aragem fresca que passava por ali, avisou o vento que havia um sininho quase japonês naquelas paragens. E o vento, senhor do pedaço, se dispôs a conhecê-lo, pois que, estava de bom humor. E eis que o sininho, ao sentir cócegas nas costas, começou a balançar sem querer, plin, plin, plin, danadinho esse sininho hein, comentou o vento meio que sorrindo, o sino continuou a balançar na manhã tão fresquinha e, era tão doce seu canto, que o anjo de gesso da fonte da casa ao lado piscou o olhinho, a borboleta meio aérea pousou no muro de hera para ouvir, um colibri que passava agitado resolveu parar para vê-lo e logo, logo, outros passarinhos estavam ali em volta do sininho quase japonês, ouvindo seu plin plin tão delicado. Passam-se os dias e, sempre nas manhãs ensaboadas, quando Deus abre seu olho com bondade eterna, ou nas tardes que vão se sentando devagar nos bancos da noite, o tal sino tocava embalado pelo vento que se acostumou a passar por lá para conversarem um pouco. E o canto do jardim, antes tão triste e escondido, era agora motivo de grande algazarra e alegria. Também Francisca vinha todas as manhãs e tardes, sentava-se no banco e olhava um livro de gravuras bem coloridas e os passarinhos e abelhas comentavam nossa Fran, como esse livro é tão bonito e cheio de cores, como a história é interessante, todos sentados em volta dela; a menininha se divertia muito ali, eis que as crianças pequenas conseguem falar com animais e sinos com maior facilidade, coisas bem simples que fazem a vida pular corda. E assim foi, por longo tempo. Muitas vezes o sininho contava coisas sobre o país distante onde havia nascido, como ninguém estava ali para julgar ninguém, existem mentiras piedosas e o importante mesmo eram as almas juntas, nunca se questionou sua origem de enfeite de carro alegórico da segunda divisão no carnaval, suas histórias não tão japonesas, nem seu sotaque esquisito, influência do senhor Li; assim, ele narrava com entusiasmo fatos que ouvira do japonês da loja, enquanto este descansava da lida e comia sushi; sobre o país do sol nascente, no, no, num sei dizê pu que esse nome, soó nascente, sobre dragões que cuspiam fogo e que voavam pelos céus muito zangados, samurais que eram tão valentes, com seus cavalos alados, misturava um pouco com o bumba-meu-boi que vira nos desfiles de carnaval, exaltava as cerejeiras em flor, e soava aflito quando falava sobre uma bomba que caiu numa cidade do Japão onde ninguém sobreviveu, nessa parte da narrativa todos ficavam muito tristes, inclusive Francisca que já intuía algo sobre essa tal morte e sobre a estupidez humana. E essa bobagem mental de querer arrumar coisas que estão indo muito bem, obrigada, fez, num dia meio chuvoso, a mãe de Francisca tirar o sininho daquele canto de jardim, tá muito velho esse sino, sempre achei que ele era brega, agora que vem um paisagista reformar as plantas, nem vai ter lugar pra ele. Francisca esperneou e chorou muito, passarinhos, borboletas e abelhas e até o sapo que vivia embaixo de uma pedra castanha no jardim ficaram realmente consternados, o vento bem que tentou dar uma susto na mãe de Francisca derrubando as roupas do varal, mas, o sininho quase japonês foi jogado no sótão empoeirado e sujo. Bem que o paisagista tentou elaborar um belo jardim – só que - quando se chegava naquele canto, as plantas não cresciam, os passarinhos não cantavam, as abelhas não zuniam, o sapo estava seriamente pensando em mudar de casa, só não tinha procurado outro lugar pra se estabelecer, porque estava com problema de artrite. Nem uma brisa ligeira passava por lá, dava a volta no quarteirão só de pirraça e o anjinho de gesso, que vivia na fonte na casa ao lado, começou a trincar sem motivo. E assim, as plantas daquele jardim do paisagista, impressionadas com tão triste história, houveram por bem não mais crescer. Também Francisca ficou tão triste que nada a interessava - nem o livro de figuras tão coloridas, os lápis de cera pra se fazer desenhos pra mãe, raspar a panela do doce de brigadeiro, mexer na água. Foi ficando magrinha, magrinha, não pedia mais algum brinquedo ou doce, ou fita pro cabelo, ou um vestido novo no dia do aniversário, eu só queria de volta meu sininho quase japonês no canto do jardim, mãe e repetia isso com a voz fraca, até que sua mãe, preocupada com a saúde da menina, entendeu que não era birra e trouxe o sino quase japonês de volta para o canto do jardim. E foi tão grande a alegria dos passarinhos e abelhas e borboletas, do velho sapo que até esqueceu a artrite, das manhãs fresquinhas e tardes macias, do anjinho de gesso que vivia na fonte da casa ao lado, do pessoal que passava por ali para o trabalho ou voltando à noitinha, da velhinha que foi buscar pão quentinho, da roda gigante que começou a rodar e a se iluminar sozinha, das minhocas que saíram de suas casas pra saracotear que, Jesus e Bhuda, que estavam conversando sobre as ilusões dos homens, ouviram a algazarra, vieram espiar o tal canto do jardim e acabaram também por acharem muita graça; por tudo isso que foi contado, dizem ser, o canto do jardim, um lugar meio encantado. Tem gente procurando o lugar, eu, inclusive.


Regina Helena Sarapo

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Nosso verão


Amo o verão. Ele me remete a boas recordações de infância. Sorvete, praia o dia todo, cabelo molhado, banho de chuva. Cheiro de protetor, areia entre os dedos, melancia gelada, barulho de ventilador. Zumbido de pernilongo, "cinco corta" na rua, bicicleta de noite, pés descalços. Por isso celebro esta estação com entusiasmo, sempre que ela chega. Com ansiedade vou contando os dias pra me livrar do peso das roupas de antes - já carregamos coisas demais na vida - e me sinto mais leve nessa época. Bebo mais água, fico mais do lado de fora, converso mais com a natureza. E curto com as crianças o azul da piscina, o vidro do carro escancarado, o momento de regar as plantas. Tudo vira festa.
Só que neste verão que já se iniciou, um verão mais chuvoso que o normal diga-se de passagem, nossa estréia foi meio desastrosa. Uma doença emendada na outra, dor de garganta, virose e sinusite, com direito a visitas ao pronto socorro e mil remédios para administrar. Imprevistos que acontecem. Mas ainda temos tempo. Muito pela frente, até o início das aulas. Então estamos nos recuperando, fazendo as malas rumo à casa de praia da vovó pra desenhar nosso verão. Se pintar algum desabafo urgente, podem apostar que passarei por aqui. Do contrário, ficarei sumidinha por um tempo, recarregando mais uma vez as baterias (este não será o último post do ano. O último virá no último dia, fresquinho, amanhã).

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Breve passagem


Dez dias se passaram desde o último post. Não foi por falta de idéias, mas de tempo, que sumi mais uma vez. Acabei embarcando na loucura generalizada dessa sociedade, que se comporta como se o mundo estivesse prestes a acabar, e quase perdi as rédeas de minha carruagem. Além disso, as férias escolares chegaram, e as solicitações das crianças aumentaram. Então, dei uma escapada daquelas bem forçadas para sentar aqui agora e digitar meu desejo de um Natal cheio de harmonia e paz para todos os leitores, amigos, inimigos, agregados, desconhecidos, segregados. Assim que der volto!!!

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Olivia, a bailarina

O Reino das Fadas Cor de Rosa era mágico e muito colorido. Nele habitava uma pequena bailarina chamada Olivia. De olhos grandes e pretos, boquinha de coração, ela vivia rodopiando pelos cantos com sua varinha na mão. Andava na pontinha do pé, com sua sapatilha brilhante, em passos delicados, toda confiante. Era uma fadinha muito corajosa, não tinha medo de barata, de bruxa nem de fantasma. Pois sua varinha maravilhosa tinha o poder de transformar as coisas feias em belas estrelas no céu. Estrelas coloridas, de papel, que flutuavam no azul e balançavam levemente com o vento. Houve um tempo, porém, que Olivia acordou sentindo algo diferente. Uma sensação estranha, que deixava seus pés paralizados feito estátua, seu coração batendo depressa e sua barriga doendo, como se ela tivesse engolido um tijolo. Estava com medo. Medo de sentir vergonha. Pois o grande dia de sua primeira apresentação como bailarina tinha chegado. E ela não sabia o que fazer. Não conseguia sair do lugar. Queria chorar. Em vez disso, teve um pensamento mágico, daqueles que só Fadas Cor de Rosa têm. E tudo se iluminou como o sol da manhã. Percebeu que toda aquela vergonha era, na verdade, um grande fantasma. Feio e horripilante. Que bom, pois ela não tinha medo de fantasmas. Então pegou sua varinha, girou-a no ar três vezes e o que se viu depois foi incrível. Uma gigantesca estrela multicolorida, que parecia dançar no céu. A música começou. E Olivia, sem medo e sem vergonha, dançou. E deixou um rastro de brilho por onde passou.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O que houve


Você me pergunta o que houve e eu não sei o que dizer. Fico calada, com a noite, entorpecida pelo mantra das cigarras lá fora. Olho através de seus olhos arregalados, que aguardam qualquer resposta. Mas eu permaneço calada. E me sinto vazia. Confortavelmente vazia. Eu e o nada, com tudo na mão. Um vazio leve, daqueles que a gente sente quando acaba de confessar algo libertador. Não tem dor, não tem agústia. Só um estado de contemplação. Plenitude, talvez. Porque todos os nossos fantasmas já se foram. Nada nos assombra mais. E se o amor fortalece, é por isso que me sinto assim, impassível. Então uma coruja lá longe se manifesta, quebrando nosso silêncio. “O caminho é este”, ela deve estar dizendo. Ouço você repetir a pergunta, dessa vez com um tom de preocupação. E finalmente torno sonora a minha resposta. Estou assim, estranha, meditando sobre o tempo incrivelmente bom que tenho passado ao seu lado. Sete anos de puro crescimento. Anos que me fizeram melhor, viva, mãe. E com todos os motivos para amar estar aqui. Exatamente assim. Agora vamos até a cozinha abrir uma garrafa de vinho. Hoje é nosso aniversário de casamento. Parabéns, amore mio.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A flor que desabrocha


O mundo da Olivia é florido. Flores de mil cores e formas, na cabeça, na roupa, nos sapatos. Flores cheirosas, nos perfumes que ela coleciona. Flores particulares, retratadas nos desenhos. Flores e mais flores, que nascem em todos os cantos, encantam e inspiram meu pequeno brotinho. Marias-sem-vergonha, antúrios, margaridas. Orquídeas, gérberas, tulipas. Lírios, rosas, brincos de princesa. Difícil é removê-la da idéia de arrancá-las dos jardins alheios...

"Não, filha. Não faça isso com a florzinha, coitadinha", recomeço, pela enésima vez, o meu papo politicamente correto.

Ela aguarda a continuação do discurso, exatamente o mesmo, sem uma vírgula a mais ou a menos, desde quando ela se entende por gente.

"Você está tirando a flor do convívio com sua família. Já pensou, a mamãe dela vai ficar preocupada, perguntando 'cadê a florzinha querida que desapareceu'!"

"Eu sei, mãe (eles vão crescendo e o carinhoso "mamãe" vai dando lugar a um "mãe" meio entediado), mas eu tive uma idéia. Vou arrancar TODAS as flores do canteiro, aí sim elas ficam juntas!"

É. Taí um exemplo de como a coisa vai ficando elaborada com o passar dos anos. As roupinhas de bebê já não servem mais. A chupeta não existe mais. E as explicações da mamãe também não convencem mais. Fico pirando só de pensar no que me espera quando a adolescência bater à porta. O que eu disse depois disso? Bem, contei que sozinhas, sem as folhas, as flores não sobrevivem e ficam tristes, murchas. Por quanto tempo esse discurso vai durar, não sei. Espero que até a próxima primavera...